Mestre Vina!
Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes.
Imensurável Poeta!
Magnífica e rica é a nossa língua portuguesa. Apaixonam-me as escolas da literatura brasileira, todas; desde a Literatura de Informação – um seguimento do Quinhentismo, ao exemplo das cartas de Pero Vaz de Caminha – com o seu olhar de estrangeiro e a visão deste nosso mundo (Brasil) na ótica do outro (e aí tento me imaginar num exercício dos primeiros índios, como sendo visto como um “objeto” exótico); passando por José de Anchieta e a sua religiosidade poética; e o missionário Padre Antônio Vieira com os seus sermões, e nestas obras aplicando a arte da retórica dos jesuítas, trabalhando assim os conceitos e as idéias. Entendo que, no contexto de criação da estilística lusófona, Antônio Vieira com as suas prosas poéticas manifestava assim essências artísticas e literárias. Concordo plenamente com o poeta Fernando Pessoa, sobre a sua afirmação em considerar Antônio Vieira e Camões com sendo os fundadores da língua portuguesa. É também muito bom poder ter a graça de viver atualmente as Tendências Contemporâneas. A poesia é para mim a musa em todo e qualquer conceito sobre literatura e em todas as escolas ou movimentos literários.
O Mestre Vinicius de Moraes (que atravessa a segunda fase do Modernismo, passa pelo Pós-Modernismo e flui placidamente e também de certa forma contestador nas Tendências Contemporâneas, foi sem dúvida nenhuma um artista completo – diplomata, dramaturgo, jornalista, compositor, roteirista, e poeta de essência lírica – alcançou em sua vida o grande destaque na poesia e na música. Suas obras são vastas, compreendidas na literatura, teatro, cinema e música.
Desde o início de minha adolescência e adentrando em minha juventude, até quando em 1980 Vinícius partiu para outro plano; o que sempre admirei no poetinha (a arte mais nobre que me chamava à atenção nele), era imaginar de que forma, Vinicius claramente realizava um exercício constante em tentar decifrar, ou encontrar uma forma de beleza imensurável no universo de toda a natureza, que pudesse ser comparada a mulher amada. Só em meus primeiros sentimentos manifestados através de minha essência, durante os êxtases que vivi nas inspirações quando em meus dezesseis anos criei as minhas primeiras poesias, é que pude ter consciência, de como é tão difícil esse exercício de decifrar, o quão tão belo e imensurável é a mulher amada! Neste exercício permanente também em mim – em buscar decifrar e comparar a mulher amada – o sentimento mais próximo que consigo lapidar, é que, seja talvez como o momento do nascimento de um filho para a vida, mergulhando do ventre materno para o mundo. Só algo assim tão forte é que talvez se aproxime ao valor que a mulher amada representa para nós, os poetas. Creio que assim seja também para as poetisas, ainda de uma pureza em mais elevado ápice (no puro sentido extremo da perfeição); assim, neste contexto, em lampejos instigantes, ouso também em pensar como as saudosas Florbela Espanca, Clarice Lispector e Cora Coralina; musas ourives do amor, definiam os seus amados. Imagino que seja o mesmo sentimento tão forte que as poetisas sentem quando criam poesias, assemelham-se como dar a luz aos filhos. Este sentimento todo em mim, aprendido pela arte de observação de Vinícius com relação à mulher amada, me faz recordar outra obra sua, a qual eu cantava para ninar a minha primeira Filha – Roberta Michelle – ainda dentro do ventre materno. Chorando, em extrema felicidade e acometido de profundo êxtase e ternura, eu cantava a canção “O Filho que eu quero ter”. Somente muito tempo depois, foi que certa vez, ouvi Toquinho dizer (na introdução durante uma gravação desta canção), como Vinícius mostrou a ele (Toquinho), esta obra em seus primeiros momentos após escrita!! Toquinho explicou que o mestre Vina, chorando mostrou a ele a composição desta canção. Também, nesse sentimento sobre a importância do amor essencial que é a mulher amada, recordo-me de outro grande poeta e músico atual – Dante Ramon Ledesma – que em sua dialética sobre a importância da mulher; lembra muito a arte do poeta Vinícius de Moraes quanto ao amor pela mulher. A declamação de Dante quando canta a canção Yolanda (de Pablo Milanês), sintetiza bem esse exercício sublime! Diz bem assim:
“Quantos homens se necessitam por uma mulher?
Quantas vezes teremos que nascer para valeu uma mulher?
Esférica e eterna, dona da vida!
Não estás nem atrás, nem ao lado; estás à frente!
Sem ti a humanidade seria silêncio, a cada dia, mulher...
Estás em todos os dicionários, e nenhum deles disse nada,
Faltam palavras para expressar, tantos sentimentos, nesta vida, mulher!”
Quero assim em todo esse intróito neste artigo falando sobre Vinícius de Moraes, resumir a admiração que tenho por sua obra. É o meu poeta preferido! É de Vinicius a poesia mais linda que conheço. Uma poesia que fala do trabalhador, o operário!
O poema “O operário em construção” escrito por Vinícius de Moraes no ano de 1956, narra o trabalho como sendo o alicerce para a vida da humanidade, enfatizando o processo de percepção por consciência do operário sobre o seu real valor, iniciando a sua análise a partir de sua situação na condição de completamente alienado. No transcorrer deste processo de conscientização, o operário dissipa essa forma alienada, quando constata que era ele quem criava tudo o que havia em torno de si; tudo o que era preciso para suprir as suas necessidades diárias, como também era importante tudo o que ele criava; pois, supria as necessidades de uso como bem comum, como “Casa, cidade nação! / Tudo, tudo o que existia / Era ele quem o fazia / Ele, um humilde operário / Um operário que sabia / Exercer a profissão.”
Propriamente, em sua essência e consciência, o operário é resultado do seu trabalho.
©
Foto de Charles C. Ebbets/Corbis.
A célebre foto intitulada “Lunch Atop a
Skyscraper” completa 80 anos.
O operário em construção
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, capitulo 5, versículos de
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato, como podia
Um operário
Compreender
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário
Olhou
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário
E
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu
Pois
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício
Que
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício
Seu
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo
Um
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.
(O poema "O operário em construção" foi publicado pela primeira vez em 1956 em colaboração de Vinicius de Moraes ao jornal quinzenário “Para-todos” – Rio de Janeiro, RJ – a convite de seu amigo Jorge Amado).
O então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva, e o poeta compositor Vinicius de Moraes, nas comemorações do Primeiro de Maio de 1979, quando Vinícius leu o poema Operário em Construção a pedido de Lula.
Aos olhos atentos de uma multidão de trabalhadores, políticos e intelectuais, Vinicius de Moraes leu emocionado o poema “Operário em construção”, de sua autoria, a convite do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva. “Os seus irmãos que morreram, por outros que viverão, uma esperança sincera cresceu no seu coração...”. Assim como o trecho da poesia lida na missa realizada no Dia do Trabalhador (1º de maio) de 1979, no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, foi marco histórico da luta pela democracia no Brasil.
Para saber mais sobre Vinicius de Moraes acesse os sites abaixo:
Nenhum comentário:
Postar um comentário