João Batista do Vale
“Isso é que forma João único, isto é que torna João Plural. Era cidadão do mundo? Era. Mas era antes de tudo um nordestino!” (Lenita Beltrame).
"... A aranha tece puxando o fio da teia
A ciência da abeia, da aranha e a minha
A ciência da abeia, da aranha e a minha
Muita gente desconhece
Muita gente desconhece, olará, viu?
Muita gente desconhece..." (Na Asa do Vento - João do Vale e Luiz Vieira).
Muita gente desconhece, olará, viu?
Muita gente desconhece..." (Na Asa do Vento - João do Vale e Luiz Vieira).
Um anônimo coletor, nomeado para a pequena Pedreiras, interior do Maranhão, mudou a vida de um garoto, neto de escravos, chamado João Batista do Vale. Não havia vagas suficientes na escola municipal, e o filho do coletor não ia ficar sem estudar. “Tinha uns trezentos alunos, mas escolheram logo eu para dar lugar ao filho do homem.
Hoje eles botaram rua com meu nome, me homenageiam, só para desmanchar o que fizeram... Mas nem Deus querendo eu esqueço”. O menino, que de tanto dançar e cantar recebeu o apelido de “Pé de Xote”, tiraria daquela derradeira lição que a escola formal lhe ensinou a consciência para denunciar os problemas sociais, anos mais tarde, em suas músicas.
Enquanto a maioria dos compositores da chamada música nordestina explorou ad nauseam o drama da seca, João do Vale falava das desigualdades sociais, foi pioneiro em abordar, sem demagogia, o tema reforma agrária: “É só me dar terra pra ver como é que é / Eu planto feijão, arroz e café... Eu sou bom lavrador / Mas plantar pra dividir / Não faço isso mais não” (Sina de cabloco, com Jocastro Bezerra de Aquino).
João do Vale, deixou canções com letras fortes (como os sertanejos) e contagiantes que alegram festas e forrós, mas que muita gente desconhece serem de sua autoria. Carcará, Pisa na fulô, Na asa do vento, A voz do povo, Sina de caboclo, “Coroné” Antonio Bento são algumas delas.
João cantou as dificuldades da vida de sertanejo pobre, que conheceu muito bem, e as alegrias e o orgulho de ser compositor/cantor reconhecido e muito querido por colegas de infância.
João Batista do Vale mais conhecido como João do Vale nasceu em Pedreiras - MA em 11 de Outubro de 1934. De origem humilde, desde pequeno gostava muito de música, mas logo teve que trabalhar, para ajudar a família. Aos 13 anos foi para São Luís - MA, onde participou de um grupo de bumba-meu-boi, o Linda Noite, como "amo" (pessoa que faz os versos). Dois anos depois, começou sua viagem para o Sul, sempre em boléias de caminhões. Em Fortaleza CE , foi ajudante de caminhão; em Teófilo Otoni MG , trabalhou no garimpo; e no Rio de Janeiro RJ, onde chegou em dezembro de 1950, empregou-se como ajudante de pedreiro numa obra no bairro de Ipanema.
Em 1954, participou com figurante do filme Mãos Sangrentas, dirigido por Carlos Hugo Christensen, João do Vale conheceu Roberto Farias – na época assistente de direção, - que, ao se transformar em diretor, convidou o compositor para musicar alguns de seus filmes, como No Mundo da Luz, de 1958.
Com músicas e letras na cabeça, já que não sabia escrever, começou a freqüentar as rádios com a intenção de conhecer os artistas e apresentar suas composições, em maioria baiões. Depois de dois meses de tentativas, teve uma música de sua autoria - Cesário Pinto - gravada por Zé Gonzaga (irmão de Luiz Gonzaga), que fez sucesso no Nordeste. Em 1953, foi apresentado por Luiz Vieira a uma das “rainhas do rádio”, Marlene, que gravou sua Estrela Miúda que, tocada nas rádios, fez sucesso no Rio. João contaria depois que, ao ouvir a música no rádio, comentou com os colegas de trabalho, na obra, que era uma música de sua autoria. Eles duvidaram e lhe disseram que o sol quente estava prejudicando seu juízo.
Dois outros períodos foram muito marcantes em sua carreira. No início dos anos de 1960, conheceu Zé Kéti que o levou para se apresentar no ZiCartola, bar-restaurante de Cartola e Dona Zica que reunia artistas e músicos, ode estreou em 1964 como cantor. No ZICArtola, João do Vale foi convidado a participar do show Opinião, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão. O Show idealizado por Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, e dirigido por Augusto Boal foi apresentado no teatro do mesmo nome, no Rio de Janeiro. Com a sua participação no Show Opinião, João do Vale tornou-se conhecido principalmente pelo sucesso de sua música Carcará (com José Cândido), a mais marcante do espetáculo, que lançou Maria Bethânia como cantora. O Show Opinião foi assistido por mais de 25 mil pessoas só no Rio de Janeiro, e levado a outros estados, constitui-se num marco de resistência artística ao regime ditatorial vigente no país. Este show, que lançou também Maria Bethânia (que substituiu Nara), com sua marcante interpretação de Carcará, foi relançado anos depois em 1975, com Zé Kéti e Maria Medalha, sob direção de Bibi Ferreira.
Como compositor, em 1969 fez a trilha sonora do filme “Meu nome é Lampião” (Mozael Silveira). Depois de se afastar do meio musical por quase dez anos, lançou em 1973 a música Se eu tivesse o meu mundo (com Paulinho Guimarães) e em 1975 participou da remontagem do show Opinião, no Rio de Janeiro. Tem dezenas de músicas gravadas e algumas delas deram popularidade a muitos cantores: Peba na pimenta (com João Batista e Adelino Rivera), gravada por Ari Toledo, e Pisa na fulo (com Ernesto Pires e Silveira Júnior), Baião de 1957, gravado por ele mesmo.
No final dos anos 70, comandaria o “Forró Forrado” no Catete, casa de forró, democrática, que reunia um público amplo: estudantes, intelectuais, trabalhadores das obras do metrô. João recebia convidados como Chico Buarque, Edu Lobo, Zé Ramalho, Djavan, sempre animando as sextas-feiras, por cerca de dez anos.
Capa do disco João do Vale convida
Em 1981, com direção de produção de Chico Buarque, Fagner e Fernando Faro, João do Vale grava um belíssimo disco – João do Vale Convida - com participações especiais de Chico Buarque, Jackson do Pandeiro, Nara Leão, Fagner, Tom Jobim, Gonzaguinha, Clara Nunes, Zé Ramalho, Amelinha e Alceu Valença, atualmente disponível em cd.
Uma das fotos do encarte do disco João do Vale convida
Em 1982 gravou seu segundo disco, ao lado de Chico Buarque.
Na década de 1990, vários shows beneficentes, em sua homenagem foram realizados, num período em que João do Vale já não conseguia cantar, devido a seqüela de “derrame”. E nesse mesmo sentido, em 1994, Chico Buarque voltou a reverenciar o amigo, produziu um segundo disco, o disco João Batista do Vale, prêmio Sharp de melhor disco regional (cd), com interpretações também de vários artistas, alguns que já tinham gravado sucessos seus, como Maria Bethânia, Ivon Cury, Luiz Vieira, Marinês, além da participação de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Alcione, entre outros.
Faleceu em São Luís - MA no dia 06 de Dezembro de 1996, sendo sepultado em sua cidade natal - Pedreiras.
Novas homenagens e resgate de sua história seguiram-se após sua morte, como o livro Pisa na fulô, mas não maltrata o carcará, de Marcio Paschoal (Editora Lumiar); o cd Carcarás da Cidade - Um tributo a João do Vale, lançado pelo selo da Prefeitura de Nova Iguaçu, onde João do Vale morou por cerca de vinte anos; João do Vale mais coragem do que homem, de Andréa Oliveira (Edufitia) e o documentário João do Vale – muita gente desconhece, de Werinton Kermes.
Capa do DVD documentário sobre João do Vale - Muita Gente Desconhece; lançado em 2005.
ABAIXO O DOCUMENTÁRIO EM TRÊS PARTES:
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=xJv2Vw_64XI&feature=related
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=y3T2Pk0E4rs
"Devo dizer que considero João do Vale uma das figuras mais importantes da música popular brasileira. Se é certo que em 1964-65, quando se realizou pela primeira vez o show Opinião, os grandes centros do país tomaram conhecimento de sua existência e lhe reconheceram os méritos de compositor, não é menos certo que pouca gente de seu conta do que ele realmente significa como expressão de nossa cultura popular. Isso se deve ao fato de que João do Vale não é um compositor de origem urbana e que só agora se começa a vencer o preconceito que tem cercado as manifestações populares sertanejas. É verdade que em determinados momentos, com Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, essa música conseguiu ganhar o auditório nacional, mas para, em seguida, perder o lugar conquistado. É que o Brasil é o grande e diversificado. Basta dizer que, quando João do Vale se tornou um nome nacional, já tinha quase trezentas músicas gravadas, que o Nordeste inteiro conhecia e cantava, enquanto no Sul ninguém ainda ouvira falar nele. Lembro-me da primeira vez que o vi cantar em público, em 1963, no Sindicato dos Bancários, no Rio, convidado por Thereza Aragão. Dentro de um terno branco engomado, pisando sem jeito com uns sapatões de verniz, entrou em cena. Parecia encabulado, mais, quando começou a cantar, empolgou o auditório. Era como se nascesse ali o novo João do Vale que, menos de dois anos depois, na arena do Teatro Opinião, faria o público ora rir, ora chorar, com a força e a sinceridade de sua música e de sua palavra. Autenticidade é uma palavra besta mas é na autenticidade que resida a força desse João maranhense, vindo de Pedreiras para dar voz nacional ao sertão. Mas não só nisso, e não apenas no seu talento, como também em sua cultura. Há gente que pensa que culto é apenas quem leu muitos livros. No entanto, se tivesse tido, como eu a oportunidade de ouvir João cantar as músicas sertanejas que ele sabe, veria que ele é a expressão viva de uma cultura. De uma cultura que não está nos livros mas na memória e no coração dos artistas do povo."
Ferreira Gullar
REFERÊNCIAS E FONTES:
http://pt.wikipedia.org
http://www.mpbnet.com.br
http://www.fundacaojoaodovale.com.br
http://www.dicionariompb.com.br
http://zecazines.blogspot.com
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